domingo, 27 de outubro de 2013

Pai e filho

Nunca entendi direito como meu pai encontrava ânimo para contar estórias para cada um dos meus amigos que aportassem em nossa humilde residência. Sempre muito atento e solícito, roubava cada segundo precioso das pessoas que iam ter comigo falando das mesmas coisas. Aquilo me entediava, enchia de vergonha e também de raiva. Fazia-me sentir um tolo, pois ficava pensando no que pensavam todos depois que deixavam o solar do Assis rumo aos seus respectivos destinos.
Certa vez, talvez no auge de sua insensatez, chegou a dizer que no bosque próximo a nossa casa havia lobisomens, sacis e tudo mais que pudesse imaginar e que não era muito seguro ficar até tarde por lá sob o risco de cruzar com alguma dessas criaturas pelo caminho de volta. Levando em consideração o fato de que morávamos a alguns quilômetros do centro da cidade, o verde era abundante e também assustador, e pelo menos nisso meu pai e eu concordávamos. Não foram poucas as vezes em que senti um medo tremendo de sair da cama para fechar a janela e tentar dormir seguro. Mas acho que isso era apenas sugestão da minha mente adolescente. Mas com meu pai, não conseguia entender direito o efeito desse verde e dessa distância da cidade. Mas se sentia medo como eu, porque não vendia aquilo e ia embora para a cidade como as pessoas normais?
Aliás, normal era algo que meu não era. Eu sempre tive essa impressão dele. Minha mãe não agüentou a barra e saiu fora e as vezes eu dou razão a ela, embora ela nunca mais tenha voltado para ao menos saber como estou. Tem anos em que ela liga no meu aniversário e no natal, mas em algumas ocasiões ela deixa furo numa ou noutra data, já até estou acostumado.
Sempre tive curiosidade de saber o que motivou a separação, mas também nunca entendi o que poderia tê-los unidos, pois são tão diferentes. Minha mãe é uma daquelas mulheres fãs de academia, de roupas justas e toda cheia de fricotes com a saúde. Não come carne, não ingere álcool, detesta tabaco e qualquer coisa que faça fumaça. Só anda de bicicleta, pois diz que assim se exercita e ainda ajuda a salvar o planeta. Meu pai é praticamente um ogro, um dos seres que ele diz que existem. Aliás, essa é só uma das facetas do meu pai.
Ao contrário da minha mãe, ele bebe, fuma, adora carne bem mal passada, é totalmente sedentário, tem uma barriga que parece uma gestante de nove meses, não vai à esquina se não for de carro e está sempre disposto a não sair de casa se possível. Fico pensando qual é a fonte de renda do meu pai, já que minha mãe eu sei bem que é corretora de imóveis e acho inclusive que cuida tanto da aparência para seduzir os clientes mais saidinhos e cooptá-los a comprar o que quiser vender, mas pode ser que seja apenas um engano meu. Mas meu pai. Ele é um grande mistério.
Um amigo, o Tula, diz que ele é bruxo, pois já o viu andando de madrugada pelo bosque do Catonho sozinho com algum objeto sendo seguro pelos braços, mas que de longe não conseguiu decifrar o que era. Mas o Tula tem um incinerador dentro do cérebro, só vive chapado e por isso não dei muita credibilidade ao que disse sobre meu velho progenitor.
Mas o Sr Ernani, um dos irmãos portugueses donos da padaria do largo da Batalha, disse que não vai com a cara do meu pai porque o viu certa vez fazendo caretas estranhas na porta da igreja da Assunção durante a missa, e achou aquele gesto um tremendo desrespeito com a casa de Deus. O velho Olavo me disse uma vez que Deus era a explicação para o inexplicável e com o desenrolar da minha breve vida, pelo menos com isso eu concordei. Não consigo entender como um ser que é tão bom e poderoso por essência, permite que tantas maldades sejam cometidas diariamente por poderosos injustos contra inocentes, animais, contra a natureza que ele mesmo tivera feito. Acho que se meu pai realmente zombou dos crentes na porta da Igreja durante a missa, deve ter sido no mínimo engraçado. Gostaria de ter visto.
Mas pensando bem, meu pai não tem amigos muito presentes, não tem uma vida social ativa, só sai de casa para comprar cigarros, aos montes, diga-se de passagem, e adquirir suas cervejas importadas. Não sei que gosto é esse que o faz beber somente cervejas européias, fortíssimas, das quais não gosto de nenhuma, mas como bebo escondido e de graça sou obrigado a beber quieto.
Nas noites frias de inverno ele tem uns hábitos meio soturnos e que me chocam um pouco. Fica horas olhando para o céu como se estivesse contemplando o nada absoluto e quando me perco nos meus pensamentos e perco a briga para Morfeu e recobro-me horas depois, cadê o velho? Sempre some e volta pela manhã com mau hálito e cara de poucos amigos. Nunca me dá confiança e quando raramente o procuro para puxar assunto é como se não estivesse ali, é sempre sombrio e distante.
Nessas horas é que odeio mais ainda a ideia de Deus. Com tantas pessoas no mundo, justo ele foi ser meu pai, um cara que me ignora. E ainda de quebra me deu uma mãe que me abandonou.
Da última vez em que ele sumiu e voltou pela manhã, resolvi chamá-lo e ter uma conversa séria.
- cara, por que você me odeia? Disse a ele
Não te odeio. Respondeu. Então por que não me dá a mínima, finge que não estou aqui, ignora a minha existência? Você só dá atenção para os outros que vem aqui em casa, não tem amigos e fica assustando os que ainda têm coragem de vir aqui me ver! Não agüento mais essa indiferença sua. Te odeio, senhor Olavo!
No momento em que cheguei ao meu quarto um pavor me acometeu. Meu pai estava sentado na janela com os olhos vermelhos como duas bolas de fogo, parecia estar rosnando para mim e disse: vem aqui que quero lhe mostra algo! Eu fiquei resignado, pois ainda não tinha entendido como ele chegara até ali sem ter passado por mim na escada e sem ter feito nenhum barulho.
Está vendo aquela mata ali?
Sim, estou.
É dali que tiro nosso sustento. De onde? Perguntei.
De cada ser vivente que anda ou rasteja por essas terras.
Fiquei com muito medo e disse: não estou entendendo o que o senhor está querendo me dizer.
Ele deu grito ensurdecedor: AH! Não percebeu que sou um demônio, e que tudo que fiz ate hoje foi para te proteger?
Um arrepio ergueu todos os pelos do meu corpo, um suador começou da cabeça até o dedão do pé, um calafrio na barriga, um pavor que nunca senti nem mesmo nas noites frias de chuva que dormia com a janela aberta por medo de fechar, e de repente ele vem caminhando para perto de mim, se aproxima do meu rosto e diz esbaforido: sempre te amei, filho! Você nunca percebeu porque ainda é jovem, mas a partir de agora saberá entender o que é o amor!
Deu um sonoro uivo e saltando pela janela partiu rumo ao bosque do Catonho para mais uma noite...


sábado, 5 de janeiro de 2013

É carnaval do lado de cá!

A noite demorara a ir embora naquele dia, já passava das seis da manhã.A lua insistia em manter-se firme no céu, tornando o amanhecer mais belo. Se por um lado a lua estava vibrante,  a minha direita já era possível perceber os primeiros raios de sol anunciando mais um dia.

Desci da cama, calcei os chinelos, ajeitei a cueca e fui ao banheiro. Aquela olhada no espelho, o tapa no rosto, a água para acordar. A urina saia suave sem deixar os rastros na tampa ou no chão. Os dentes bem escovados me indicavam a necessidade de procurar algo para comer. Opa! não posso esquecer o remédio do estômago, senão a hérnia de hiato me fará lembrar o dia inteiro do quanto não cuidei da alimentação em toda a vida.

No caminho até a padaria dava para perceber a aura diferente que envolvia as primeiras pessoas que via naquele dia. Muitos ainda com roupas que denunciavam por onde andaram e o que fizeram - o cheiro de álcool ia longe!
A banca de jornais exibia as principais manchetes: engarrafamentos; ruas lotadas; banheiros químicos não deram vazão. Era o carnaval.
Carnaval, a festa da carne, profana, adorada e idolatrada por muitos e rejeitada e estigmatizada por tantos. enfim, simplesmente carnaval. As escolas iriam desfilar, as mulatas iam ainda dançar, o povo sorrir, pular, cantar, namorar, ser feliz e eu, ia comprar pão e desfilar no bloco do eu sozinho.

Comprado o pão, o jornal e a mortadela, voltei para casa com passos acelerados a fim de aproveitar o quentinho do matinal alimento. Café passado no coador, fresquinho, manteiga derretendo no pão, tv ligada baixinha na reprise do futebol e...o telefone toca! Uma, duas, três vezes. Atendi de mau humor, afinal a engrenagem do universo estava sendo obstruída por aquele toque indesejável.

-Alô!
-Felipe?
-Não, Bento XVI, respondi de pronto.
-Claro que sou eu, idiota! Ligou para minha casa, quem poderia atender, tua mulher?
-Grosso! A voz disse, em tom fúnebre.
-Fala logo, Piolho!
- Tu vai fazer o que nesse carnaval?
-Ficar em casa ouvindo rock, trancado para não me contaminar!
-Porra, vamos viajar para Trindade, em Paraty?
- Quem vai?
- Uma galera.
-Que galera?
-Pastel, Dadá, Tadeu, Paulão. Vai ser show!!!
-Porra, sei não. Muita gente, e ainda devem ir os agregados de todo mundo.
-Foda-se, vamos logo, porra!
-Quando?
-Agora.

Naquele instante pensei: que merda estou fazendo!
Mas ainda assim, decidi arrumar apressadamente uma mala e parti.

Pois bem, menos de uma hora após o fatídico telefonema, estava com a trupe prontos para zarpar naquela intrépida, imoral, venial e bestial, aventura.
Meu carro tem um nome bem sugestivo, caveirinha, herdado da época em que frequentava uma capela no alto de um morro, onde o caveirão da polícia militar era meu principal companheiro. E lá fomos nós, guerreiros no caveirinha. Guerreiros mesmo, pois nem ao menos o nível do óleo verifiquei antes de enfrentar os mais de 250 quilômetros que separavam nossas casas de Trindade. Abastecemos e logo em seguida começaram as emoções.

Paulão, no auge de seus 140 Kg espalhados por 1,90 de altura, àquele instante punha sua mão para fora repetindo um movimento ondular como se fosse uma criança inocente descobrindo a força da gravidade.  O carro andava e lá estava Paulão com sua mão para fora do carro. Aquilo ia me irritando de tal maneira que em dado momento olhei para ele e disse: "tá" gostando, Paulão? De bate pronto me responde, com a sinceridade de um frei franciscano: - Responsa!
Todos no carro riram da resposta cretina e da minha cara. Mas a viagem prosseguia sem maiores problemas.

Ao pegarmos a Estrada Rio-Santos íamos a uma velocidade bem razoável, acreditando que faríamos o trajeto num tempo bom e assim, aproveitaríamos ao máximo as belezas do lugar. Mas nem tudo são flores, sobretudo, quando o Piolho é um dos presentes. Do outro carro veio um telefonema, era o Pastel pedindo ao Piolhão que tocasse seu carro, pois não estava acostumado com a estrada e ficara com medo de provocar quaisquer acidente. Muito prudente este rapaz. E assim foi feito. Piolho passou para o outro carro e em troca recebi um exemplar de uma espécie em extinção, um Australopitecos, direto do morro da Pedreira, chamado Nicky. O cara é feio, mas tão feio, que quando nasceu o médico quis logo mostrá-lo à mãe, ainda sob efeito da anestesia, pois temia que ela achasse que o menino era fruto de um erro médico.
Uma coisa é verdade, seus pais são muito fortes, pois para registrar e criar aquilo, era preciso força e coragem. Imagino o bullyng sofrido por ele.

Com o Nicky em nosso carro, a viagem prosseguia. Chegamos em Angra dos Reis, após mais de 2 horas de viagem e os mais afoitos pediram para parar e fazer um lanche. Somos um grupo democrático e assim foi feito. Paramos em uma padaria e tivemos de fazer uma reflexão acerca daquela situação: as coisas eram verdadeiramente caras ou éramos extremamento duros? Um pouco das duas coisas, eu acho. Inclusive, acho que somos mais duros do que qualquer outra coisa. Mas, enfim, estávamos ali para lanchar e assim foi feito. Pães, muitos pães e bastante mortadela, que meus tímpanos ouviam a todo instante "mortandela"; coca-cola e muitos arrotos colossais. Assim foi por uns 15 minutos: Pão, "mortandela", coca-cola e arrotos.

O caçula da trupe, no auge de seus 10 anos, comeu como gente grande, mesmo sob o protesto de seu pai que dizia:
-Nícolas, você vai passar mal!
-Não Phai, "tá" "tuto" pem"!
-Então, tá! Se você está dizendo, vou confiar.
-"Faleu" Pai, "ti amu"!

Retomamos a viagem e menos de 20 minutos depois o Piolho pisca o farol a fim de me pedir para parar. Pensei logo, aconteceu alguma merda.
Mas não era, a galera queria fazer uma mijada coletiva. 9 homens parados as margens da uma rodovia federal, perfilados com seus membros em punho e aquela cachoeira no acostamento. Foi inevitável fugir das gozações habituais:
- Mijão, filho da puta! Vai cambada de viado! Vai mijar no cú da mãe!
Foram tantos os impropérios, que se for coloca-los aqui duraria mais umas duas semanas a narrativa de nossa viagem.

Voltamos à estrada e alguns quilômetros a frente uma nova piscada de farol. Pensei: Mijar de novo?
Dessa vez não era isso. Era o pão com mortadela fazendo efeito nas curvas da estrada de Santos. O Nicolas não perdoou e largou um jato de vômito dentro do carro. Eram cinco ocupantes e adivinha quem foi o contemplado? Piolho, o rei de todos os sortilégios, o maior azarado que conheci. Levou uma golfada de um pré-adolescente e saiu do carro bradando:
- Te odeio, seu filho da puta!
Enquanto o restante do pessoal não parava de rir da ridícula situação.
-Arrombado, filho de uma égua, lazarento, desgraçado, te pai é viado....
Piolho não parava de dizer gracejos ao mancebo e seu pai constrangido tentava apaziguar as coisas.
-Calma, Piolho. Calma é o caralho, não foi você o "vomitado"! e quanto mais o Piolho se emputecia, mais a gente ria.
Carro menos fedido, paz voltando a reinar e lá fomos nós para a estrada. Antes de chegar ao destino, paramos para comprar um remédio de enjoo para o garoto. De nada adiantou. Na descida da serra, quando o vai e vem do carro causa náuseas até nos mais experientes, voltam a piscar os faróis do carro dirigido por Piolho. Todos parados novamente. O que houve, dessa vez? Perguntei.
O filho da puta conseguiu vomitar nos meus óculos! Piolho agraciado mais uma vez. Clima quente. Filho da puta, tomara que você morra!
Que isso?! Pare de desejar o mal para o meu filho, disse o Dadá. Morre junto, então.
Os carros passavam e viam aquela cena grotesca e as risadas eram inevitáveis. Até que o Piolho ficou muito puto e resolveu dar uma mijada para se acalmar. Mas tomado pelo ódio não viu que seu zíper não estava totalmente aberto e conseguiu o que ninguém imaginava. Mijou nas calças. Pobre Piolho, mijado e vomitado. O que mais lhe esperaria.

Mais quinze minutos e praia. Todos acomodados e com a certeza de que nada mais daria errado. Sol, cerveja gelada, mulheres bonitas. Nada mais perfeito. Só uma coisa nos inquietava: o preço de tudo. Uma garrafa de água R$6,00. Racionamento era nosso lema. Começamos a fazer amizade com as pessoas e da maneira mais sorrateira possível pedíamos um gole de água, de refrigerante, de cerveja, beliscávamos a comida e assim íamos nos virando.

O Paulão, dotado de uma enorme capacidade de se apaixonar, partiu logo para o ataque sobre uma desavisada garçonete.
- Ai, já te falaram que você é uma gatinha?
- Qual o seu pedido, senhor?
-Você! Disse o galanteador cliente.
- "A gente podemos" sair mais tarde?
- Qual o seu pedido, senho?
- Um beijinho, uma chupetinha, qualquer coisa que venha de você!
-Não posso lhe atender dessa forma, senhor!
-Então, me dá uma água e um beijinho no cangote. Insistia.

Resistente aos encantos do Paulão, a garçonete trouxe sua água e ele perguntou o preço.
-R$6,00
-Eu pedi uma água só, e não uma caixa.
-Me fudi, disse-lhe Paulão.
-Pois é, senhor. Este é o preço mesmo.
-A esse preço, não mereço um beijo?
-Não! Com licença.

Na praia, os jovens gastavam suas energias jogando futebol na areia e enchiam o saco de outros banhistas com a bola que insistia em acertar tudo e todos.
Desculpa, foi mal! Era o que mais se ouvia.

Piolho, após o choque da viagem, procuravam ficar quieto, longe de confusões, mas bastou a bola ir para perto dele que as coisas começaram a ficar ruins. De chinelos na areia, foi chutar a bola, quando estes grudaram no chão, fazendo-o tropeçar e cair de sua própria altura para delírio dos presentes.
-Caralho, muito lerdo! Disse um mais afobado.
Pobre Piolho, lerdo e azarado.

A hora do almoço foi aquele banzé, muita fome, preços altos e pouca grana. Conclusão: mais confusão a vista.
O que nossa grana dava para bancar eram os pratos feitos vendidos a R$12,00, sem refrigerante. Éramos 9, pedíamos 5 pratos e dividíamos para todo mundo comer. Só que a divisão nem sempre era amistosa. Então Paulão foi o encarregado de botar ordem na bodega. O silêncio reinou. Em meio ao almoço começaram os falatórios sobre a vida dos outros, o que é normal em qualquer círculo social. Então lembraram de um negrão que vivia próximo que certa vez perguntou:
- Se uma mulher engolir esperma, ela pode engravidar?
Todo mundo riu e então perguntei porque isso não era possível.
-Porque se ela engoliu ela vai mijar ou cagar, porra!
-Porque na garganta não tem líquido menstrual.
Então desisti, e voltei a comer.

Pagamos a conta e fomos para o Camping. Deitamos e tiramos uma soneca. O menino vômito deixou um pino de bola entrar em seu ouvido e mais uma vez foi o centro das atenções. Piolho não se fez de rogado. -Deixa ele se fuder!
Quanto ódio havia no coração desse homem, por causa dos vômitos ainda.
Anoiteceu. Começamos a nos arrumar para pular carnaval na praia. Paulão sem lanterna solta essa: - Alumia  aqui, que não estou vendo! Ninguém se conteve!

Todos na praia, bebendo, pulando, cantarolando e NIcky, nosso companheiro pré-histórico, consegue arrumar uma mulher que o leva para longe de nós. Todos abismados pensaram tratar-se de alguma bióloga querendo estudar uma espécie rara. Em seguida volta o garoto com os olhos arregalados e todo mundo pergunta: e ai, comeu?
Com sua voz fanha e nasalizada, responde: Não, tá maluco!
-O Paiê, a mulher me levou para o mato e agachou, fez xixi e eu que não sou bobo sai correndo para a praia. Sou sinistro, não é?
Quase levou uma porrada de todo mundo, para deixar de ser otário.

Mas o melhor da noite estava por vir. Dadá, grande pé de valsa, conseguiu trazer uma bela argentina para perto de nós, com sua técnica de dançarino. Paulão deu uma de Carlinhos de Jesus e foi ensinar a mulher......ponto de macumba. Todos rindo a valer.

Bem, nem todos os episódios do carnaval cabem aqui, pois é muita coisa para compilar num curto espaço, mas saibam que do lado de cá do Cristo há um carnaval bem diferente e bem alegre também. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O conto

Sentado sob a sombra de uma frondosa amendoeira ( e porque não?), sobre a firmeza de uma rocha esculpida pela natureza milhões de anos antes de minha chegada à Terra, assistia atônito o vai e vem das pessoas que sob uma chuva torrencial lavavam suas almas e buscavam um rumo para seus destinos.
Cigarros acesos e uma espessa nuvem de fumaça, davam a sensação de que o tempo havia retrocedido e parado mais ou menos por volta dos anos de 1970. Os carros ultramodernos e seus potentes auto falantes traziam à tona o tempo e o espaço. Uma multidão ávida por qualquer coisa que lhes fizesse fugir de sua rotina, se amontoava sob os poucos espaços que existiam nos poucos abrigos improvisados surgidos da necessidade de não molhar-se no último dia ano e assim evitar que a data fosse estragada por uma eventual gripe, ou coisas do tipo. Dessa forma iniciei o último episódio do ano que passou.
Quando nos colocamos diante de um desafio, seja ele qual for, o medo do desconhecido sempre nos acomete e traz consigo a prudência e um olhar mais crítico das coisas. Meu último desafio foi uma viagem. Mesmo tendo feito o trajeto algumas vezes, sempre fico com um frio na barriga, já que conheço os imbróglios que seguirão ao longo do extenso trajeto entre minha casa e a Vila de Trindade. Enfim, esse era o grande desafio do ano, sair e voltar pra casa são e salvo.Aliás, esse é o desafio da maioria das pessoas que conheço ou de quem já ouvi falar. Não conheço ninguém que saia de casa com a missão de não voltar. Pode até ser que haja essa pessoa, mas ela é tão rara que prefere o anonimato.
Ainda envolto na atmosfera da viagem é que me pus a sentar e ver a movimentação do povo. Alguns acidentes nas sinuosas curvas da Br 101 estavam vivos e quentes em minha memória recente e me deixaram um pouco menos ativo que o costume, dai minha posição de observador. A quantidade de drogas ilícitas exibidas como troféus me chamavam muito a atenção, sobretudo a figura jovem e inconsequente da maioria dos que as exibiam. Eram muitos e muita a oferta. Em poucos minutos já era possivel ver uma certa homogeneidade física e comportamental dos usuários. Concomitantemente, familias alheias a tais cenas de destruição passeavam num cenário simbiótico que ali se instalava.
Minha moradia nessa empreitada era bem rudimentar, tratava-se de uma barraca erguida sob uma lona de 3x3 num terreno acidentado, onde pagávamos para obter luz elétrica e um banheiro mal cuidado. De dentro da barraca era possivel fazer uma visualização bem ampla de tudo que ali estava ocorrendo, ao mesmo tempo em que me deleitava da presença de minha amada.
Tal qual uma cena de filme de terror bem lado B, tive um sonho, onde estava escrito o último episódio de minha saga: Bebia um gole de vodka, obeservava as pessoas, voltava para a barraca, dizia à minha mulher que não queria mais ficar ali, entrava no carro e na volta para casa....partia. Partia solitário.
Não dava mais para dormir, o diálogo ficou impossivel, assim como impossivel foi acalmar minha caucasiana mulher, que àquela altura bradava comigo por ter lhe partilhado o mais intimo de meu sonho. Dizia ela: você é louco? para que ficar falando essas coisas? Que maluquice!!! Inquieta, pegou várias vezes o telefone e ligou para seus familiares para certificar-se de que nada de ruim lhes havia acontecido. E quanto mais certa estava de que nada de anormal ocorrera, com mais raiva ficava de mim e eu sem poder explicar o que me ocorrera. Sentia-me estranho com aquela sensação, com aquele sonho, mas também tinha a certeza de que parecia tudo muito real. Cheguei ao cúmulo de ver o sangue escorrendo pelo meu rosto, descendo pelo meu corpo, onde pude perceber que não era mais eu quem ali estava, mas um rascunho deformado daquilo que um dia houvera sido.
Após as festividades, recompondo-me a fim de desfrutar da presença de Morfeu, o sonho viera aviltante e tirou-me o fôlego!!! Assustado, recorri ao copo de água, mas nada me fazia voltar a dormir, quando um hiato entre o bocejo e uma virada de lado fez com que minha mulher visse-me acordado com as pupilas dilatadas de medo.
O que houve? Disse. O tal sonho voltou a te atormentar? Assim você me assusta! Quando o dia amanhecer, vamos embora, ok!
Mais que depressa, disse-lhe: Sim! Preciso sair dessa tortura.

Tortura maior estava por vir. Cada mala, sacola, ou embrulho que era posto dentro do carro, fazia com que ansiedade aumentasse e o medo circundasse nosso ser. No meu íntimo me culpava por ter tido aquelas sensações e contado para ela. Agora éramos dois assustados, reféns do medo, da estrada, da chuva, do imprevisível.
As molas postas, despedimo-nos de todos e ligamos o carro. Tudo bem? perguntou-me. Sim, respondi. Meus batimentos cardíacos estavam mais acelerados que os de um goleiro na hora do gol, disse a ela. Prontamente, com um sorriso amarelado: Belchior!
As pessoas iam passando pela janela e quando nos afastamos um pouco mais do núcleo da vila, com o rosto pálido e suado, fiz o sinal da cruz, como quem pede ajuda aos céus porque está diante do inusitado.
A estrada foi ficando mais íngrime, o medo mais agudo, o pânico imperava no interior do carro e um estrondo no motor rompemdo o silêncio, indicou que precisávamos parar ali. Sussurrei: Não acredito! E ela: o que foi isso, amor?
Não sei! Vou descer e ver. Abri a tampa do motor e aparentemente tudo estava normal.
Entrei, tornei a ligar o carro, que sem nenhum problema pegou. Vencendo a inércia e a gravidade, rompíamos bravamente a serra. Na descida outra vez um estampido no motor. Mais uma vez paramos e nada. Chegamos a Br101 e alcançamos rapidamente velocidade, e meio abobalhado ia me acalmando, quando o carro sorrateiramente parou. Nesse instante, um carro que vinha na outra faixa perdeu o controle, invadiu a pista em que estávamos, e se não estivéssemos parados no acostamento resmungando por conta da falha no motor, seríamos atingidos em cheio. No carro que se acidentou estava um casal, que tal qual o sonho que tivera nas outras noites, despediram-se do mundo real com o sangue escorrendo-lhes o rosto....

domingo, 10 de outubro de 2010

A teoria da Revelação

Os cristãos hoje são aproximadamente 2,5 bilhões em todo o globo terrestre. São Católicos Romanos, Ortodoxos e protestantes, para não alongar muito nas diversas ramificações advindas com os cismas ocorridos ao longo do tempo. Segundo Jesus, o maior de todos os mandamentos é o amor, pois quem ama conhece a Deus. Segundo o Apóstolo Paulo, na carta aos Efésios, a Salvação é um dom gratuito oferecido por Cristo. Hoje no mundo vivem em torno de 7 bilhões de pessoas, das quais a maioria não é cristã, haja vista o número informado acima. Conclui-se que, segundo a visão de muitos cristãos, 4,5 bilhões de pessoas não serão salvas, pois não seguem a Cristo. Ou seja, Deus as criou para depois condená-las. Talvez, realmente algumas pessoas possam pensar dessa maneira. No meu entendimento, isso chama-se egoísmo. E não acredito num Deus egoísta, mas altruísta e que vê na partilha uma das virtudes mais belas do cristianismo. Infelizmente, o radicalismo de muitas correntes provoca  desunião,  desamor, descontentamento e consequentemente o afastamento de membros do corpo eclesial, seja em qual for.
Para os católicos, mais precisamente, Deus se manifesta através da Bíblia, do Magistério e da Tradição, que formam assim conjunto da Revelação de Deus à humanidade. Eventos onde o homem enxerga casualidades são narrados na bíblia e se vistos com os olhos da fé, são percebidos como Revelação de Deus, por exemplo: O Êxodo. Foi um tempo de longa tribulação pela qual todo o povo hebreu passou. Marchou por anos a fim de encontrar uma moradia, enfrentando todo tipo de intempérie. A luta contínua só era possivel porque Deus, por meio de Moisés, se fazia presente e sinalizava com dias melhores. Portanto, a presença divina era percebida por meio de sinais visíveis e invisíveis que só podiam ser percebidos quando a fé era o auxilio. Podemos dizer então que o homem é o partícipe direto no processo de salvação divina, pois dele parte a percepção dos designios de Deus. Certamente, o Criador se vale desse dispositivo para, desse modo, não confundir a compreensão humana, baseada em valores terrenos que dificilmente transcendem.
Assim sendo, a Revelação é feita em etapas e Deus se apresenta por meio dela. Ou seja, a visão que um individuo teve de Deus e que foi descrita na Bíblia de uma forma, alcançou outra pessoa que a leu e a enxergou conforme a sua realidade; assim ela transmitiu a outras pessoas...e assim esse legado chegou até nós. Portanto, se admitirmos esse modelo de revelação, devemos admitir a importância da Igreja no processo de Revelação de Deus para a humanidade, pois Ela é Tradicional, no sentido de transmitir o que lhe é revelado pela ação do Espírito que a conduz.
Creio ser possivel dizer que a Revelação do Deus misericordioso de Abraão, Isaac e Jacó ainda esteja em curso, por meio do Magistério da Igreja e da ação humana em difundir o Evangelho. Desse modo ainda há muitas coisas a serem reveladas antes que alcancemos a Salvação. Não creio que possa haver monopólio de nenhuma instiuição sobre a Revelação de Deus ao mundo. Desse modo muitos enxergam Deus de várias formas, pois o Espírito Sopra onde quer e não pode ser aprisionado, já que Ele agiu desde o ventre de Maria até a ressurreição, atuando diretamente no surgimento das primeiras comunidades cristãs. Ou seja, age livremente em favor da transmissão da Palavra de Deus. Então, de fato, onde dois ou mais estiverem, ali então Deus estará, seja na Basílica de São Pedro, seja na igreja da esquina de qualquer favela.
Assim sendo, gostaria de chamar a atenção para um fato que provoca inúmeras controvérsias nas igrejas: o homossexualismo!
Em diversos níveis da sociedade essa questão é sempre debatida com muita polêmica. No âmbito religioso a polêmica é ainda mais acentuada. A bíblia, que para os protestantes é a única fonte de revelação de Deus, é enfática em dizer: "não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. É uma abominação" Lev. 18, 22 ou ainda "igualmente os homens, deixando a relação natural com a mulher, arderam em desejo uns para com os outros, praticando torpezas homens com homens e recebendo em si mesmos a paga de sua aberração" Rom. 1, 27.
Baseando-se, sobretudo, nessas duas passagens, inúmeras denominações abominam os seres humanos que praticam tais atos, desconsiderando-os, talvez, como criaturas amadas de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Confesso honestamente que a mim causa algum estranhamento a relação entre pessoas do mesmo sexo, provavelmente porque seja hetero, e criando em uma familia convencional. Mas não posso, como cristão, deixar de me envolver nessa causa, que traz dor e conflito a milhões de pessoas no mundo, mas mais precisamente aqui no Brasil. Qual o lugar dos homossexuais em nossas igrejas? Será que Deus os criou, assim como os mais de 4,5 bilhões de não-cristãos, apenas para condená-los a danação eterna? É uma questão complexa, que abrange a ciência, a religião, a filosofia, a psicologia e tantas outras áreas afins. Mas o fato é que são humanos, dotados da capacidade de amar e de sonhar e também sentir dor, porque são iguais aos demais em tudo. Mamíferos, possuem telencéfalo desenvolvidos, polegares opositores em ambas as mãos: São humanos!
Deve-se levar em conta o ambiente em que os livros bíblicos supracitados foram escritos: períodos de grande provações, onde hebreus (AT) e cristãos(NT) buscavam espaço e diferenciar-se em tudo de seus perseguidores. Portanto, qualquer possibilidade de manter acesa uma identidade própria deveria ser utilizada e propagada. Sabendo que para muitos povos da antiguidade a prática do homossexualismo era algo comum, e em alguns casos, motivo de orgulho para algumas familias, como para as familias do "garotos dos generais", em Roma, é óbvio que nos códigos de conduta moral dessas comunidades incipientes, a regra era abominar tais práticas. Assim, presumo, tenha surgido o preconceito e a noção de pecado acerca do homossexualismo, que vai ganhar força na Patrística e em todo o mundo medieval, para chegar ao nosso tempo com muitas lacunas a serem preenchidas sobre suas origens e consequências.
Mas já que analisando a forma como Deus se revela para humanidade, percebemos que a Revelação ainda não chegou ao fim e que somos co-partícipes nesse processo, por que não deixamos para Deus nos revelar, através de nossas orações e partilhas, o que Ele acha de tudo isso e apenas aceitemos os homossexuais em nossas igrejas e os ofertamos amor, que é o maior de todos os dons deixados por Jesus, Mestre e Rei?
Fraternalmente,
Luis Felipe de Assis Silva